Equipe liderada pelo brasileiro Miguel Nicolelis descobre relação entre a doença degenerativa e distúrbios do sono (Marília Juste, do G1, em São Paulo)
Dificuldade para dormir ou sonhar pode esconder os primeiros sintomas de uma das mais misteriosas e incapacitantes doenças do cérebro humano: o mal de Parkinson. Além de poder ajudar no diagnóstico da enfermidade, a descoberta ainda explica um sintoma de outro grave problema mental: a esquizofrenia. Segundo os cientistas, as alucinações de esquizofrênicos podem ser sonhos que os pacientes têm enquanto estão acordados. A pesquisa, publicada na edição desta semana do "Journal of Neuroscience", foi feita por um grupo de cientistas da Universidade Duke, nos Estados Unidos, liderados pelo brasileiro Miguel Nicolelis -- autor do Neurolog, do G1. 
 
A chave para o achado é a dopamina, uma molécula responsável pelas transmissões entre neurônios, que está ligada à euforia, à atenção e à busca por recompensas prazerosas. A doença de Parkinson surge quando os neurônios que produzem dopamina param de funcionar. Quando o funcionamento de cerca de 60% dessas células cessa, surgem os sintomas mais conhecidos da doença: movimentos espasmódicos e expressões faciais fixas.
 
Segundo a equipe de Nicolelis, um importante sintoma surge muito antes disso: a dificuldade para dormir ou sonhar. Para comprovar, eles estudaram o papel da dopamina no ciclo do sono de camundongos geneticamente modificados para apresentar os sintomas de pacientes de esquizofrenia -- que, ao contrário dos de Parkinson, têm, como característica, excesso de dopamina.
 
Primeiramente, eles bloquearam, com um medicamento, a produção do neurotransmissor. Em pouco tempo, as cobaias passaram a apresentar sintomas de Parkinson, como imobilidade, rigidez e insônia, ou dificuldade para sonhar. Ao estudar o cérebro desses animais, eles verificaram que a ausência de dopamina acabava completamente com a capacidade de ter um sono tranqüilo e sonhar. Para comprovar de vez a descoberta, os cientistas deram outro medicamento aos camundongos, que aumentava os níveis de dopamina. E os padrões cerebrais normais de sono retornaram.
 
Segundo os pesquisadores, o estudo demonstra que pode ser possível desenvolver, no futuro, um teste sobre o comportamento durante o sono que seja capaz de detectar os primeiros sinais da doença de Parkinson, muito antes do surgimento dos primeiros sintomas. Além disso, a pesquisa fornece as primeiras provas biológicas para uma teoria defendida já há algum tempo por muitos psiquiatras: a de que as alucinações de esquizofrênicos não passam de sonhos tidos enquanto eles ainda estão acordados.
 
Sonho distante
Mesmo com os dados levantados pela equipe, a possibilidade de obter um diagnóstico precoce da doença de Parkinson através da verificação de problemas do sono ainda parece nada mais que um sonho distante para alguns médicos.
 
Para o neurologista Paulo Henrique Bertolucci, professor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), que trata pacientes tanto de Parkinson quanto de esquizofrenia, a descoberta não é suficiente para prever os estágios iniciais da doença. “A não ser que se encontre um tipo de distúrbio do sono muito específico, que só ocorra em pessoas que vão acabar tendo Parkinson, será muito difícil fazer essa previsão”, disse ele ao G1. “Há um número muito maior de pacientes com alterações no sono e o quadro da grande maioria deles não vai evoluir para Parkinson. Será bastante difícil fazer essa triagem”, disse ele.
 
Fonte: Globo.com